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REVISTA LITERATURA 

Patrícia Roberta | Além da porta

 

Há algum tempo uma porta se abriu e me convidou a entrar. Sim, graciosamente ela me fez um convite que tinha o magnetismo de um pôr do sol em direção ao horizonte, uma força impossível de ignorar!

Ela se apresentou despretensiosa e cativante como algo que despertava em mim uma curiosidade flamejante, como se fosse a chave para um mistério.

Estava aberta e me convidou com veemência a adentrar no espaço resguardado por ela, acendendo em mim um ímpeto irresistível. Não vi outra opção senão aceitar.

 

Junto a ela estava uma outra porta aberta: um sorriso!

Ao passar por aquela porta rompi o véu da intimidade de quem junto a ela me sorria. Um sorriso que me arrebatou e acolheu tal qual o brilho do sol numa manhã fria.

 

Adentrei naquele pequeno mundo por trás da porta. Naquele momento, enlace-me com seus gostos, suas preferências, seus hábitos, suas crenças, seus valores…

Conectei-me com os tons e cores presentes no espaço daquela pessoa que me abriu a porta com um sorriso radiante, acolhedor, e tão genuíno que parecia iluminar o ambiente.

Conectei-me com os livros,

Conectei-me com o cheiro de café ao acordar

Conectei-me com os artefatos de cunho espiritual e crenças

Conectei-me com tudo que aquele espaço do lado de dentro da porta abrigava…

 

 

Tenho uma lembrança perene dali, daquele fragmento de eternidade.

 

Guardo até hoje a sensação de contemplar pela primeira vez uma foto que sobre a mesa de estudos, cujos personagens e plano de fundo revelavam muito do que eu estava ávida para conhecer.

 

Havia, um quadro na mesma parede que emoldurava aquela porta e, ao fita-lo, reconheci o mistério que me levou a entrar ali. Havia naquele quadro algo inebriante, que palavras jamais poderiam expressar. Algo que me conectava a ele, como se eu mesma fosse parte daquela imagem. Lembro que ao perceber isso, estremeci, sentindo um arrepio doce me atravessando inteira. Senti como se aquelas cores cálidas sussurrassem para mim algo tão íntimo que me senti nua.

 

A decoração minimalista ressaltava as paredes, com seus segredos silenciados, numa cor neutra. Quanta vastidão naquela ausência de excesso: um convite à contemplação. Ali o vazio me preenchia a alma com uma calma singular, como se a ausência me trouxesse à presença.

Havia ali uma orquídea florida, gotas mudas e delicadas de beleza, testemunha de algo que desabrochava sem pressa.

 

Ali, o sofá parecia um abraço de onde eu deslizava suavemente, com o coração palpitando feito uma criança que desce em um toboágua pela primeira vez. Eu me desvencilhava do sofá escorregando para aquele tapete de toque macio, tão fofinho que me trazia a lembrança de algodão doce.

 

Um vinho, duas taças, promessas mudas, olhares que dispensam palavras.

Tudo ali era inebriante, um quadro vivo…

Um encantamento condescendente e profícuo se estabeleceu.

 

Mas… Algo mudou e a porta se abriu novamente.

 

 

Contemplei aquela porta aberta e convidei-me a atravessá-la, a despedir-me do que me prendia ali. Hesitei, pois era uma prisão doce, feita de aconchego e escolhas ternas. Mesmo sabendo que levaria tudo aquilo no âmago da minha existência, decidi ir.

 

Junto à porta aberta estava um sorriso amarelo, cerrado, sem sisos à mostra.

Lábios contraídos

Mandíbulas tensionadas

Uma lágrima que deslizava lenta, esculpindo suavemente um caminho efêmero

Uma expressão que refletia a vulnerabilidade de quem se despede prematuramente, com olhos se desviando, evitando-se prolongar aquele momento de desenlace

Um suspiro aliviado. Talvez dois

Um abraço apertado e longo, longo, muito longo. Um último mergulho no mundo um do outro, corações batendo juntos uma última vez…

Um último olhar para aquelas paredes neutras, que duras e frias, sequer sentiam minha partida

Um último olhar para aquela orquídea branca e pálida que indiferente me dava adeus

Um último olhar para aquele tapete felpudo e ensimesmado que, junto às almofadas jogadas ao chão, permanecia confortável frente a minha saída

Um último olhar para aquele quadro

Um último olhar para aquela porta ainda aberta…

 

A porta fechada.

 

 

Autora: Patrícia Roberta Alves Xavier de Almeida

Estado: Pernambuco

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