Alberto Lacerda: Declaração de amor
Todos nós já lemos muitas poesias, crônicas e textos diversos que dissertam sobre o amor. Quem nunca leu Vinícius de Moraes, Pablo Neruda, Olavo Bilac, Fernando Pessoa, Homero, Mário Quintana ou Carlos Drummond de Andrade? Poderíamos até arriscar a dizer que este é um tema bem batido, não é mesmo?
Pois bem, era o meu aniversário e queria me presentear com alguma coisa nova. A verdade é que eu estava procurando apenas mais uma desculpa, por mais simples que fosse, para comprar mais livros sem ter que, necessariamente, me sentir culpado.
Me lembrei de um sebo que fica na rua Buarque de Macedo, no Catete, e corri até lá na esperança de encontrar alguns exemplares do Hemingway para minha coleção.
Após a indicação do atendente, lá estava eu no mezanino daquela livraria à procura dos livros. Eu até encontrei alguns livros do Hemingway, mas nenhum que eu considerasse uma boa edição com uma boa diagramação. Sabem como é, né? Depois dos meus 40 a diagramação passou a ser mais importante do que a história em si. Até porque, se eu não consigo ler, do que adianta a história?
Bom, como não tinha encontrado o que originalmente fui procurar, passei, vasculhei e namorei as raridades de outros autores. E é exatamente aí que a magia começa a acontecer. Pois o alumbramento é saber que nos sebos todo livro tem duas histórias.
Tinha versão bilíngue do Grande Gastby, que quase levei. Diversas edições da Revolução dos Bichos de George Orwell, exemplares fantásticos de Ray Bradbury, Saramago e Garcia Marques. Mas foi folheando, de forma despretensiosa, uma edição de Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley, feito pela editora Globo, que me deparei com uma das mais bonitas declarações de amor.
Na folha de rosto podia-se ler uma dedicatória. A mãe presenteara a filha com o livro, e o texto seguia assim:
“Minha querida filha, que todo dia 8 de junho seja para você um “Admirável Mundo Novo”. Beijos de sua mãe que muito a ama.
Varginha, 8 de junho de 82”
Aquelas palavras me fizeram pensar que a história escrita naquela página poderia ser mais bonita e interessante que a narrativa impressa no livro. Me comovi tanto com o que tinha acabado de ler a ponto de levar o livro mais pela dedicatória do que pela história em si.
Enamorado que estava pela escrita, vi ali, toda sutileza, todo afago e todo amor que aquela senhora sentiu por sua filha ao desejar que todo dia 8 de junho fosse, para ela, um admirável mundo novo.
E então imaginei aquela senhora, cuja caligrafia me impedia de descobrir seu nome, desejando que a filha se admirasse com as coisas da vida. Que o mundo fosse, a cada dia, uma boa aventura a ser vivida. Que ela sempre tivesse o afã de desbravar, com empolgação e alegria, esse vasto mundo. Que sendo ele o mesmo velho mundo, se tornasse sempre algo novo e maravilhoso para a filha.
E não é isso que os pais desejam para os filhos? Que ame, desbrave, se admire com o mundo, se aventure, se apaixone, chore, sorria, veja beleza e magia nos mais simples atos cotidianos, que experiencie cada pormenor, que veja o quão belo e maravilhoso é o nosso mundo e que viver é uma das mais belas dádivas possíveis?!
Essa dedicatória não só me fez levar o livro, mas já de antemão se tornou, para mim, o próprio livro. Uma história própria, que releio sempre que posso. Fantasiei tudo isso ao ler aquelas poucas palavras sentado num banquinho no mezanino de um sebo na rua Buarque de Macedo.
Senti que saí de lá com um tesouro maior do que o próprio livro. Para mim, foi uma das mais bonitas declarações de amor que apareceu nos últimos tempos. Aldous Huxley que espere, pois, o livro mesmo, esse nem abri.
Texto: Alberto Lacerda