Paracatu Entre Letras: A Floresta de Palavras que Homenageia Valter Hugo Mãe
No coração do cerrado mineiro, onde a natureza se entrelaça com a história, uma pequena cidade se transforma, uma vez por ano, em um santuário da literatura mundial. Paracatu, município de arquitetura colonial e raízes profundas, prepara-se para receber a terceira edição da Fliparacatu — Festa Literária Internacional de Paracatu —, que consolida o evento como um dos mais originais do calendário cultural brasileiro. Desta vez, o homenageado é o escritor português Valter Hugo Mãe, cuja obra multifacetada dialoga com a identidade do festival: plural, inquieta e profundamente humana.
Um Festival Feito de Encontros
A Fliparacatu não é apenas uma feira de livros. É um projeto que respira a essência da cidade, onde ruas de paralelepípedos e casarões centenários abrigam debates, performances e oficinas que misturam autores consagrados, jovens talentos e a comunidade local. A curadoria, assinada por nomes ligados à educação e às artes visuais, propõe uma programação que desafia a hierarquia entre “alta literatura” e cultura popular. Aqui, um cordelista divide o palco com um romancista premiado; uma contadora de histórias guia crianças pela mesma trilha onde, horas depois, um filósofo discute existencialismo.
O segredo, segundo organizadores, está na geografia afetiva do evento. As mesas-redondas acontecem em praças públicas, cafés literários funcionam em varandas de casas transformadas em livrarias temporárias, e saraus noturnos iluminam becos históricos. “Queremos que a literatura seja vivida, não apenas consumida”, explica uma das coordenadoras.
Valter Hugo Mãe: O Escritor que Desenha Alma
A escolha do homenageado não é casual. Valter Hugo Mãe, autor de obras como “O Remorso de Baltazar Serapião” e “A Máquina de Fazer Espanhóis”, é conhecido por uma escrita que oscila entre a poesia crua e a prosa experimental. Seus personagens — muitas vezes marginalizados, deslocados, ou à procura de redenção — ecoam a complexidade de Paracatu, cidade marcada por contrastes entre o rural e o urbano, o tradicional e o contemporâneo.
Em entrevista exclusiva ao festival, o escritor adiantou que trará à Fliparacatu uma reflexão sobre “a literatura como ato de resistência”. “Escrevo para desarrumar o mundo, para que ele não se acomode em certezas. Paracatu, com sua história de lutas e belezas escondidas, me parece o lugar ideal para essa conversa”, declarou. Além de debates, a programação inclui uma exposição interativa baseada em seus livros, onde visitantes poderão “entrar” em cenas icônicas de suas narrativas por meio de projeções e realidade aumentada.
A Literatura que Transforma
Um dos pilares da Fliparacatu é o impacto social. Nesta edição, o festival amplia o projeto “Letras que Germinam”, que distribui livros a escolas públicas e promove oficinas de criação literária para adolescentes. Pela primeira vez, alunos da rede municipal participarão de um concurso de contos, com os vencedores publicados em uma antologia editada pelo evento.
Outro destaque é a “Feira do Autor Invisível”, espaço dedicado a escritores independentes, muitos deles moradores de comunidades rurais da região. “Há histórias incríveis sendo contadas aqui, mas que não chegam às grandes editoras. Queremos ser uma ponte”, afirma um dos idealizadores.
O Futuro das Palavras
Para além dos nomes famosos, a Fliparacatu investe em debates sobre o futuro da literatura em tempos de inteligência artificial e redes sociais. Uma das mesas mais aguardadas discute “Como Escrever para Gerações que Não Lêem?”, com participação de booktubers, roteiristas de games e um poeta que viralizou no TikTok.
O festival também lançará um manifesto pela “Democratização do Acesso ao Livro”, cobrando políticas públicas para reduzir impostos sobre publicações e expandir bibliotecas comunitárias. “Não adianta falar de literatura se o livro ainda é um objeto de luxo no Brasil”, critica uma das ativistas convidadas.
Uma Celebração Além das Páginas
À noite, quando os debates se encerram, Paracatu se entrega à festa. Bares improvisados abrem as portas para recitais de poesia musicada, enquanto artistas locais apresentam peças de teatro inspiradas em obras clássicas. Num cantinho da praça principal, uma fogueira simbólica queima cartas escritas pelo público — uma metáfora do que a literatura pode liberar: medos, desejos, memórias.
Valter Hugo Mãe resume o espírito do evento: “A Fliparacatu não é sobre livros, é sobre pessoas. Cada leitor, cada autor, cada morador que se descobre contador de histórias — são eles que fazem a literatura respirar”. Em agosto, Paracatu confirmará, mais uma vez, que as melhores narrativas não estão apenas nas prateleiras, mas nas ruas, nos encontros, e no modo como uma cidade inteira se rende ao poder das palavras.