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Manhã na Garganta: Outras reflexões

 

Por: Ed Carlos Alves de Santana

Luiz Eudes, escritor baiano, natural de Sátiro Dias, Bahia, autor da pela crítica aclamada novela Cangalha do Vento, dentre outras obras literárias de elevado valor. Eudes é dono de uma prosa empolgante e ressurge no cenário literário nacional com outra abordagem estética: a poesia pura, intimista, reflexiva e existencialista.

Manhã na Garganta, obra publicada pela editora paulista Pragmatha, apresenta-nos um escritor versátil, que transita pelos mais variados gêneros literários: romance, contos, infantis… Este seu novo livro de poesias surpreende o leitor de imediato pela liberdade a que submete sua escrita ao tempo em que desnuda sua alma com uma poesia desafiadora e convidativa.

Um livro leve e ricamente adornado pelas belas ilustrações, em preto e branco, do artista plástico Juarez Anunciação, que adentrou a cerne de cada texto por meio de um desenho sofisticado, de traços econômicos na difícil técnica do nanquim sobre papel.

Luiz Eudes é dono de uma poesia metalinguística. Um poeta que versa e pensa seu próprio ato de versar. Brinca com as palavras, que, por sua vez, dançam, e voam a um final improvável. Suas letras estão impregnadas de esperanças, sonhos e inspiração.

Luiz Eudes começa seu novo livro de poesias evocando implicitamente a velha máxima Shakespeareana: “ser ou não ser, eis a questão”, quando na poesia de abertura da obra escreve:

Que farei agora

Para que me aceitem?

E sendo aceito

Como irei me aceitar. (EUDES, 2024, p.17).

 

“Não serei mais poeta a escrever sobre o vento” (EUDES, 2024, p.17). Evoca o poema “Mãos dadas”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Assim como em “Nas pedras das estradas” (EUDES, 2024, p.17), o escritor alude ao Poema da Pedra, também de autoria de Drummond.

No trecho “O relógio de olhos sonolentos da manhã”, há uma bela alusão aos poetas Manoel de Barros (1916-2014 ) e Mário Quintana (1906-1994  )

Este livro de Eudes contém o silêncio das longas e silenciosas contemplações e percepções, onde antever-se um soberbo uso de figuras de linguagem, da linguagem conotativa figurada, uma poesia metalinguística quando poesia trata de poesia.

Como podemos ver em “Cores mornas como velas acesa ao vento” (EUDES, 2024, p.21), há o uso de sinestesia e de comparação. Manhã na Garganta traz uma poesia cheia de plasticidade pictórica: “Apenas busco o azul do dia” (EUDES, 2024, p.22).

Como se em um turbilhão de emoções e sensações sinestésicas fala o poeta.  “Cheiro de terra molhada e cavalos alados cruzam o céu azul cinzento” (EUDES, 2024, p.23).

O retrato na parede é uma clara metáfora do tempo em suspensão em película fotográfica. O simples ato de arar a terra evoca um tempo de escravidão, como se gatilhos mentais poéticos.

Luiz Eudes em muitos momentos apresenta-nos uma poesia perfumada com aromas, fragrâncias e cheiros diversos. Como nas sutis comparações metafóricas de um Manoel de Barros embevecido em literatura e ternura do olhar. “Luzes e tartarugas não se cruzam” (EUDES, 2024, p.29).

Em “O poeta traz uma bomba de amor” (EUDES, 2024, p.31) caberia aqui um parentesco espiritual com Vinicius de Morais (1913-1980).

“O Casarão dos dias infantes encerra o lar paterno, a casa onde residem as saudades e as ausências e a felicidade de dias livres de responsabilidades”. Manhã na Garganta verseja a beleza do amor no seio familiar entre livros e afetos:

“Aqui na minha biblioteca

Ah minha tres filhas

Vocês me bastam. (EUDES, 2024, p.33).

 

No livro Manhã na Garganta o cheiro de terra molhada está associado aos bons sentimentos e o poeta deseja primavera em todas as estações: “Por que não há primaveras em todas as estações?” (EUDES, 2024, p.36).

O poeta Luiz Eudes traça o caminho dos sonhadores, com a veneração do olhar de pidão a contemplar bela visão. Neste livro Luiz Eudes deseja ir embora para uma Paságarda pessoal, não a de Manuel Bandeira.

“Sigo rumo ao desconhecido

Lá, comporei poemas

Das cores, das formas, das luzes,

Como a borboleta e o casulo”. (EUDES, 2024, p.41).

 

Ele compõe uma poesia apaixonada: “A lua brilha em teus olhos. Tudo é canto.” (EUDES, 2024, p.42).

As flores são a materialização dos devaneios do escritor. Manhã na Garganta é uma profecia de um novo tempo, uma nova chance.  Em “Morada pretérita” as ausências são emolduradas em sépia.  A sina do poeta é a vã busca de compreensão do universo feminino. Há uma dualidade entre memória e a inutilidade de evocá-las, pois:

“Acorrentados em si

As pessoas mergulham em pensar

E suas memórias são amorfas.” (EUDES, 2024, p.50)

.

O amor é um segredo escondido e revelado no coração do homem.

Na poesia Eudesiana os relógios são plasmados com metáforas da efemeridade. Tudo é motivo de poesia: “Chuviscos de poesias” (EUDES, 2024, p.57).

Para o poeta o chapéu e o casaco são ecos do vazio, da ausência, da impermanência:

“Esperança no ontem

Pequenos vazios

Arriscavam-se machucar a trilha

De viver.” (EUDES, 2024, p.58).

 

Poesias como salmos poéticos, uma literatura pictórica. Luiz Eudes tenta mensurar o imensurável. Tudo é guiado por um desejo de ordem natural das coisas. O tempo, a morte, a recordação são elementos poéticos de seu escrever.

Referências

EUDES, Luiz. Manhã na garganta. São Paulo: Pragmatha, 2024. ISBN 978-85-8434-182-5.

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