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O Cordeiro-mulher: Um Manifesto de Desejo e Resistência de Milena Martins Moura

Um Cordeiro mulher que não se deixa imolar

Novo livro de Milena Martins Moura, editora da revista cassandra e da Macabéa Edições, sai pela editora Aboio e aborda a ligação entre o sagrado e o desejo feminino.

Quarto livro da poeta carioca Milena Martins Moura, O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão (R$ 49,40, 112 p.) traz uma releitura subversiva das figuras femininas míticas arquetípicas, utilizando a mitologia judaico-cristã de maneira dessacralizante para repensar as interdições às liberdades e à sexualidade das mulheres.

Usando-se da figura do cordeiro, que simboliza a imola pela qual se alcança a remissão dos pecados, a poeta traça um percurso temático em que cordeiro e pecados, sempre colocados em posição oposta, se complementam: santidade e danação são tratadas não como antônimos, mas como duas facetas do que é existir como ser humano e, mais do que isso, como mulher. O livro coloca a imola, aquela que deve morrer, como um corpo vivo e pulsante, aproveitando da companhia dos pecados, que representam o lado animal (aquele que afasta o humano da santidade), e ainda assim à mesa sagrada da eucaristia, com o pão e o vinho que representam essa mesma santidade.

Esse cordeiro incorpora todas as figuras femininas, desde Eva, punidas pela sua insubmissão e é um corpo de mulher, sempre usado como símbolo da tentação e da perdição. Uma oferenda que não quer morrer e não permite ser imolada. Em vez disso, reivindica seu corpo para fruir e seu espaço para ocupar.

Seguindo uma tendência contemporânea, Milena usa o erotismo como instrumento político de resistência, cerne da sua pesquisa de doutorado, em que se volta para o fato de que as poetas eróticas de nossos dias não se limitam a falar do desejo ou do mero ato sexual, mas do direito feminino ao corpo, ao gozo e à igualdade de direitos, apontando para o erótico como forma de poder – ao gosto de Audre Lorde em Sister Outsider. Esse erotismo tem caráter de denúncia e revolta e busca uma mudança paradigmática do posicionamento da mulher no tecido social, uma vez que só assim será possível alcançar o direito à plena fruição do corpo e do gozo femininos, a um sexo desierarquizado que não reflita as relações de poder sociais que diferenciam os gêneros. Se o corpo da mulher é um território colonizado, é preciso primeiro declarar independência. Só então esse corpo vai ser realmente livre para gozar.

O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão é mulher que deseja mas também que se rebela, que goza mas também que reconhece suas limitações e busca ultrapassá-las, e que não se envergonha nem da nudez nem do grito mas também que reconhece as implicações negativas disso e luta para que seu corpo seja genuinamente livre. Em cada poema existe uma mulher que é muitas e se estende para alcançar as demais, para que nenhuma mulher esteja sozinha. Um livro alicerçado na coletividade.

Em O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, as mulheres existem como seres desejantes e é do desejo que o direito à subjetividade surge. Para a autora, trabalhar esse tema sob essa perspectiva era algo inescapável, além de um ato político em defesa do desejo de si e de outras.

Milena Martins Moura nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro em 1986. É poeta, editora, tradutora, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutoranda em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e autista. Publicou os livros Promessa Vazia (Multifoco, 2011), Os Oráculos dos meus Óculos (Multifoco, 2014), A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021) e O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão (Aboio, 2023), além do plaquete digital de poesias Banquete dos Séculos (edição da autora, 2021). Também é editora da revista cassandra e da Macabéa Edições.

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